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Categoria: Sem categoria Data: 16 de março de 2022

Frente parlamentar vai definir propostas prioritárias para combate à fome

A Frente Parlamentar Mista de Combate à Fome no Brasil, vai definir propostas legislativas prioritárias para combater a insegurança alimentar no País. O grupo promoveu reunião na quarta-feira (16), com a participação da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.

Coordenador da Frente de Combate à Fome, que hoje conta com 240 deputados e 6 senadores, Célio Moura (PT-TO) defendeu a implementação imediata pelo governo de lei já aprovada pelo Congresso, a chamada Lei Assis Carvalho (Lei 14.725/21).

A norma já foi aprovada duas vezes pelo Congresso e vetada duas vezes pelo presidente da República. A lei prevê socorro financeiro a agricultores familiares, com pagamento de auxílio de R$ 2.500 por família em situação de pobreza e extrema pobreza.

“Graças aos movimentos sociais e de deputados que lutam por esse tema, derrubamos o veto e aguardamos ansiosamente que o governo, o ministro da Economia implante, busque os recursos para fazer com que a Lei Assis Carvalho seja colocada em ação urgentemente”, disse Moura.

O deputado também defendeu a rápida aprovação pela Câmara do Projeto de Lei 19/22, que institui medidas de apoio emergencial à agricultura familiar, para mitigar os prejuízos causados pela seca e por enchentes ocorridos desde 2021. Ele destacou ainda que o Brasil já conseguiu sair do Mapa da Fome da ONU, mas retornou ao mapa, e a situação da fome tende a piorar se nada for feito. à

Emenda

O1º vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PSD-AM) defende a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para vincular um percentual mínimo de emendas parlamentares para ações de combate à fome e coleta assinaturas para apresentar a PEC. (São necessárias 171 assinaturas para apresentar uma PEC).

“Se destinarmos 5% [das emendas parlamentares], teríamos R$ 700 mil de cada deputado, multiplicado por 513 e mais 81 senadores, teremos um valor significativo vinculado a ações de combate à fome, não só de doação, mas de estímulo a uma política de restaurantes populares”, afirmou.

Ramos defende ainda a aprovação de uma política permanente de renda mínima.  “Nós temos um programa que tem data para acabar, o Auxílio Brasil. Nós precisamos tornar isso uma política permanente, não uma política de governo, não uma política transitória, mas uma política do Estado brasileiro, de garantia de renda mínima para todos os brasileiros e brasileiras, em especial na primeira infância”, disse.

Além de definir propostas legislativas prioritárias, a frente parlamentar vai atuar de forma política, com ações para dar visibilidade ao tema. Conforme Ramos, a população que passa fome hoje é invisível para boa parte dos políticos, do empresariado e da sociedade brasileira.

Ele lembrou que no País há 20 milhões de pessoas passando fome, e 116 milhões comendo menos do que deviam.

O terceiro viés de atuação da frente será de potencializar ações solidárias da sociedade civil para garantir de forma imediata comida para a parcela da população que passa fome.

Desmonte das políticas

Coordenador da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, integrada por 184 deputados e 16 senadores, Padre João (PT-MG) também defende a retomada das políticas de segurança alimentar e nutricional. Segundo ele, no governo Jair Bolsonaro houve desmonte dessas políticas, por exemplo, por meio do esvaziamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e da diminuição do orçamento para essas políticas.

“O Programa de Aquisição de Alimentos, que garantia à agricultura familiar comercializar a sua produção de alimentos e garantia às entidades o acesso, chegou a ter mais de R$ 1 bilhão e hoje tem menos de R$ 135 milhões”, lamentou.

Ainda segundo o parlamentar, os recursos destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) neste ano são os mesmos de 2017, a despeito da inflação dos alimentos. Também teria sido desmontado, segundo ele, o Programa Cisternas, para garantir água para a população de baixa renda atingida pela seca.

Conforme Padre João, é preciso retomar o conceito de segurança alimentar, que é a garantia a todo o brasileiro de alimentação em quantidade, qualidade e regularidade suficientes, sem comprometer as outras necessidades. “Inclusive a qualidade, sem veneno, sem açúcares, sem sódio, alimento que garanta a saúde e vida para o nosso povo, isso é segurança alimentar, comida de verdade na mesa do povo brasileiro e sem o cidadão ter que passar por humilhação para ter acesso à comida”, afirmou.

Integração de políticas

O deputado Patrus Ananias (PT-MG), ex-ministro de Desenvolvimento Social, que implantou o programa Fome Zero no País, explicou que, para conseguir tirar o Brasil do Mapa da Fome, foi necessário integrar as políticas de segurança alimentar, de assistência social e do Bolsa Família.

“É inaceitável que um país como o Brasil, belíssimo, continental, que pode produzir alimentos o ano inteiro, que tem a maior reserva hídrica do mundo, tenha que conviver com a fome”, avaliou.

O deputado reforçou que a alimentação é um direito, garantido pela Constituição, e não deve depender da boa vontade de doação das pessoas, e sim de políticas públicas. Conforme Ananias, hoje está sendo descaracterizado e desconstituído o Sistema Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), instituído em 2006 pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional.

“A falta de emprego causa fome, e as pessoas precisam de um trabalho digno mesmo que seja um trabalho de um salário mínimo”, acrescentou a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Para a parlamentar, é preciso trazer também os bancos para o debate, já que, segundo ela, foram as instituições que mais lucraram na pandemia.

Luciana Acioly, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também propõe envolver os bancos em projetos para o enfrentamento da miséria e da fome.

Causas da fome

Representante da FAO, a organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, Gustavo Chianca frisou que o mundo produz alimentos para alimentar toda a população mundial, mas há hoje 811 milhões de pessoas passam fome no mundo. “Isso significa que a situação da fome no mundo não é só produção de alimentar, e envolve questões mais sofisticadas, como distribuição, perdas e desperdícios, produção local, garantia da produção saudável para as pessoas”, citou.

Segundo ele, a fome no mundo estava diminuindo, mas o cenário mudou a partir de 2014, devido às questões climáticas, que geram migrações da área rural e aumentam as populações das grandes cidades; aos conflitos, como o que acontece agora entre Rússia e Ucrânia, que também geram migrações; e à pandemia do novo coronavírus, que diminuiu a renda das famílias e aumentou a desigualdade social.

No Brasil, segundo ele, a crise sanitária se soma à crise econômica. “Mais da metade dos domicílios brasileiros, 55,2%, conviviam com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020, um aumento de 54% desde 2018”, apontou, citando dados da pesquisa Vigisan. Ele salientou que a perda de emprego e endividamento são os fatos que mais impactaram no problema em 2020, mas a inflação dos alimentos deve ter consequência nos dados posteriores.

Ele enfatizou ainda que fome e obesidade são problemas correlacionados, já que são as pessoas em insegurança alimentar moderada que mais compram alimentos de baixa qualidade, ou seja, com mais processados, com mais sódio e açucares.

Preço dos alimentos

Representante da entidade da sociedade civil Ação da Cidadania Contra a Fome, Rodrigo Afonso destacou que as mudanças nas políticas públicas, ocorridas no atual governo, impactaram também o preço dos alimentos. Entre as mudanças nas políticas, citou a diminuição dos incentivos para o pequeno produtor – maior responsável, segundo ele, por levar alimentação para a mesa do brasileiro.

“Nos últimos dez anos, nós reduzimos a área plantada de arroz e feijão em 70%, em detrimento de crescimento de soja, milho e cana, itens que são usados para a alimentação de animais, para a produção de etanol, de combustíveis ou de alimentos ultraprocessados”, criticou.

Agricultura familiar

Alberto Brock, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), frisou que 70% dos alimentos que vão para a mesa do brasileiro são produzidos pela agricultura familiar e defendeu políticas específicas para o setor. Presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Distrito Federal (Consea-DF), José Ivan de Aquino criticou a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei que altera as regras para registro de agrotóxicos no Brasil (PL 6299/02).

Já Douglas Belquior, da Uneafro – União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora, ressaltou que a população negra é quem mais sofre com a fome e defendeu a proposta do vice-presidente, Marcelo Ramos, de destinar emendas parlamentares para ações de combate à fome nos municípios.

A reunião contou também com a participação de representantes de empresas e de outras entidades da sociedade civil.

Reportagem – Lara Haje

Edição – Natalia Doederlein